quinta-feira, 4 de junho de 2009

Choveram internos*

Ontem chegou aqui uma batelada de estagiarios de verao. Nos Estados Unidos, subir na cadeia alimentar do jornalismo e' operacao complicada e demorada. Para conseguir um emprego decente, normalmente as pessoas fazem estagios nao-remunerados de verao nas redacoes, que sao ultradisputados entre os estudantes.
Todos sao meus concorrentes para pegar as pautinhas do dia, aquelas que ninguem quer fazer, que estao sendo o meu treinamento intensivo. Isso e' bom, me obrigara a ter mais ideias de pauta - o que ja esta acontecendo. Alias, com frequencia me confundem com estagiario. Vejo isso como um elogio, ja' que em outubro estamos ai' com 30 anos na cara.
Mas, de modo geral, e' um sistema triste. E' simplesmente um absurdo trabalhar de graca, nao importa quao jovem tu es. Trabalho e' trabalho, eles publicam as historias dessa gente, entao tem que pagar. Isso tambem atrasa a chegada deles ao mercado de trabalho - semana passada fiz esta materia com um free-lancer de 23 anos, que esta' tendo seu primeiro emprego de verdade so' agora. Ele comecou a materia e eu terminei, mas no fim 70% das informacoes eu tive de catar porque ele simplesmente nao se deu conta do que era preciso.
Esse sistema tem vantagens, obviamente. Nao tem tanto pateta numa redacao, porque os reporteres sao mais velhos, de modo geral. Nao ha' tanto aquela situacao de so' ganhar mais dinheiro virando editor - a funcao de reporter nao e' encarada apenas como algo pro inicio da carreira. Funcionou bem por bastante tempo.
Mas nao funciona mais. Se ate' os jovens sao velhos, como vao mudar o que tem de ser mudado? Tenho amigos que acham que nao vao conseguir. Pelo que eu ando vendo aqui, vai ser mesmo muito improvavel. Talvez um comeco seria realmente pagar essa piazada que vem aqui "aprender a escrever em jornal" para ajuda-los a sair dessa.

* Traducao literal e errada

domingo, 31 de maio de 2009

O benefício da edição

No Brasil, repórteres hoje em dia não vão a lugar algum sem ter texto final - a capacidade de escrever exatamente como vai sair no jornal. Por aqui, as redações ainda mantém as redes de proteção para evitar que a gente se esborrache nos erros de gramática, regência e de manual.
Como por aqui, escrevendo em inglês, eu sou praticamente um analfabeto, esse monte de editores e copidesques é fundamental para mim. Nos meus primeiros contatos com os meus chefes no Inquirer, avisei-os que não escrevo em inglês no Brasil e que essa seria a primeira experiência. Me tranquilizaram: "para isso a gente paga os editores".

Minha segunda matéria no Inquirer:
Largely foreign soccer league takes root

A rivalidade entre repórteres e editores é universal - 3 semanas enfurnado numa faculdade com repórteres do mundo todo me lembraram disso. Mas bons editores são preciosos, e vi isso na minha segunda matéria publicada no Inquirer, quarta-feira, no link acima. Além de trocar descrições longas de coisas para as quais existe uma palavra que eu não conheço por ser brasileiro, o editor melhorou muito alguns trechos. A mudança mais substancial entre o meu original e o que saiu foi no trecho abaixo.

ERA ASSIM
He plays defense for KS Cracovia, the team Tylek founded two years ago with Polish and American friends. Now, the team has players from 10 different countries and play Saturdays in the Pennypack Park fields, on an amateur league called Casa Soccer.
"We've lost half of the team for different reasons last year, so we had to draft people we knew from other teams", said Tylek, 30, who also plays soccer Sunday nights and, sometimes, other days in indoor fields.

FICOU ASSIM
Aside from the Saturday games, Tylek, 30, plays soccer on Sunday nights and, sometimes, during the week. But playing for Cracovia tests more than his ball skills and field savvy. Indeed, the transient lives of many of his foreign-born players test his organizational prowess.
"We’ve lost half of the team for different reasons last year, so we had to draft people we knew from other teams,” he said.
Um pouco mais curto e bem mais fluente para ler. Foi direto ao ponto e deixou o texto elegante. Quando eu consigo ver os editores fuçando nas minhas matérias é um baita aprendizado. Algo que deixei de fazer com o tempo na Zero, um pouco por preguiça, outro por me decepcionar com ataques terroristas aos textos. Mas por necessidade estou fazendo aqui, e está dando muito certo.

Basicamente, voltei a ser um foca em muitas coisas. Tudo dá mais trabalho, mas ao mesmo tempo não se sai da redação com a sensação de que foi um dia normal - nunca.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

A primeira publicada

Saiu no sabado, dia 23, e foi capa do caderno B (o local).

http://www.philly.com/philly/news/local/45904482.html

Fotos bonitas, gente necessitada, isso sempre deu boas materias. Essa aqui ficou legal e para mim teve muita importancia: foi publicada. Parece obvio, porque eu vim aqui para ser reporter e isso implica em ter materias publicadas, mas ate sair a primeira eu estava meio nervoso.
Estou procurando pautas em todos os lugares. Me pediram para contatar a comunidade brasileira e achar materias ali. Nao tem muito brasileiro na Philadelphia, e tambem eu nao tenho lah muita vontade de fazer materia sobre brasileiros. Estou indo atras e pedindo dicas de coisas da cidade para poder conhecer melhor as pessoas, como funcionam as coisas aqui. Mas soube de uma estilista brasileira que deve vir fazer um desfile aqui, e isso deve me ajudar a cumprir a cota de materias sobre o Brasil que me pediram. E a minha segunda materia eh sobre a cultura do futebol - soccer - entre os estrangeiros. Curiosamente, nao entrevistei nenhum brasileiro para essa, que saiu hoje e comento num post separado a seguir, porque a edicao deles melhorou-a muito.

quinta-feira, 14 de maio de 2009

110, 120, 160...

Fiz minha primeira matéria esta semana. Acompanhei uma manhã de um programa de distribuição de comida para os necessitados aqui da Philadelphia. Com a recessão, cada vez mais gente vai atrás de legumes, frutas e verduras distribuídos em uma fila que dura a manhã inteira por instituições de caridade ligadas a algum food bank.

Foi legal pegar o metrô e ir até a Zona Norte da Philadelphia, onde estão os pobres, e ver aqueles EUA que ninguém vê quando tá de férias. Foi genial falar com o pessoal na fila e com os voluntários, muitos deles gente que já esteve nesta fila.

Sim, eu disse certo: peguei o metrô. No Inquirer, o repórter é responsável por dar um jeito de chegar na pauta - não tem motoristas e eles raramente trabalham em equipe repórter+fotógrafo, por falta de gente. Então a fotógrafa foi em separado, e depois foi para outra tarefa, e eu peguei o metrô. Poderia ter ido de carro, porque os repórteres pegam o carro do jornal e o dirigem. Não quis meio de medo de dirigir os PT Cruiser novinhos de cambio automático. Na volta, tive de entrevistar o pessoal dos bancos de comida, e preferi fazê-lo pessoalmente do que por telefone - sempre é melhor se tu tem tempo.

Era longe, então tomei coragem e peguei o carango da firma. Muito bom de dirigir, câmbio automático, ótimo na Interstate 95. Fui, vi e entrevistei - na volta, aproveitei para conhecer melhor o sul de Philly e não peguei a auto-estrada. Tasquei um rádio na estação de hard rock dos anos 80 e curti o fim de tarde de sol.

Pode até ser divertido, mas ter de dirigir é uma atrapalhação para o repórter. Perdi meia hora descobrindo como chegar lá, outro tanto para voltar, e podia usar esse tempo para trabalhar de verdade. Além disso, é meio ineficiente: com um motorista, tu não precisa procurar vaga para estacionar - e um estacionamento no centro aqui custa no mínimo 18 dólares. E viajar?

Comentei aqui que temos motoristas e acharam um luxo. E é, mas é um luxo que se paga.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Espero visitas

400 North Broad Street, segundo andar. É aqui que estarei pelos próximos cinco meses: na redação do Inquirer.

O segundo andar é onde costumava estar a rotativa. Ou seja, tem um pé-direito gigantesco e é enorme. Uma redação gigante, com muito menos gente do que já teve. O Inquirer está em bankruptcy, processo de falência. Me disseram que as finanças estão se recuperando e vão sair dessa em alguns meses. Mas, por enquanto, é economia de guerra.

Repórteres reclamam que agora precisam apresentar recibo para todos os gastos. Computadores, em sua maioria, são velhos. Alguns serviços foram cortados para economizar, outros porque os fornecedores não negociam com quem está em bankruptcy. Bob Moran, o repórter que é meu "mentor" na redação, disse que há duas décadas um repórter pegou um avião e cruzou o país só para conferir um endereço. "Bons tempos", resumiu. Não voltam mais.

Também se reflete na redação. É tradição americana ter redações mais velhas na média - boa parte dos repórteres começa num jornal pequeno depois de formado e demora para chegar nos grandes. Hoje acompanhei uma repórter que conseguiu seu primeiro emprego como jornalista aos 29 anos - nos anos 80.
Mas com as demissões, o Inquirer ficou mais velho ainda. Só vejo gente na faixa dos 40 anos, mesmo repórteres. Um free-lancer veio fazer amizade comigo hoje e me pagou o almoço, só porque eu não tenho nenhum cabelo branco. "Fiquei aliviado quando vi tu e a Konstanze (jornalista austríaca de 27 anos que também está em intercâmbio aqui). Finalmente, alguém da minha idade." Ele tem 23 anos.
Evidente que não é ruim ter gente experiente, mas um jornal tem que ter alguma juventude. Alguma, pelo menos. Mas, para quem veio aqui para aprender, esse monte de gente mais velha do que eu é uma maravilha. É uma escola ambulante, emoldurada por uma quantidade impressionante de prêmios Pulitzer pendurados no corredor de entrada da redação.
Vai ser legal.

Fontes

Já estou na redação do Inquirer recebendo treinamento no sistema de computadores deles e acompanhando alguns repórteres em pautas. Fiz duas dessas empreitadas, que contarei mais adiante. Quando chegar em casa, postarei fotos da redação também.

Minha primeira diversão do dia foi ler o jornal, que é vetusto, standard e muito sério, todinho. O tamanho médio de matérias é muito maior do que o nosso padrão no Brasil. Eles escrevem muito mais; mesmo no USA Today, que usa gráficos muito mais do que os outros, os textos são enormes.
Como escrevem muito, têm de ouvir muitas fontes para colocar na matéria. Esta aqui é sobre como as universidades da região estão de olho em uma bolada - US$ 10 bilhões - em recursos para pesquisas médicas prevista no plano de estímulo à economia do Obama. O gancho é que os institutos de pesquisa estão inscrevendo projetos em massa para conseguir recursos. Natural.
A notícia não é grandes coisas, mas ganhou duas colunas na capa e meia página standard dentro - e isso é muito texto, companheiro. Que foi preenchido com sete fontes. Além do National Institute of Health, que vai dar a grana, ouviram a universidade da Pennsylvania (principal aqui) e um senador que ajudou a incluir os recursos no pacote de estimulo do Obama. Ouviram também quatro diretores de institutos de pesquisa da universidade - no nosso dia-a-dia corrido, provavelmente escutariamos só o reitor da Medicina, sem ter o luxo de conversar com outros quatro.
Essa é a parte boa: eles tem por padrão ouvir muita gente. A matéria não foi feita em um dia por causa disso. Ouvindo mais gente, aumenta a chance de conseguir boas histórias. A parte ruim é quando toda essa gente fala quase a mesma coisa. O que era o caso desta matéria, que ficou repetitiva.
A matéria é chata porque tem muita gente falando? Talvez. Seria o caso de reduzir o número de vozes? Certamente sim, a se considerar só a fluência do texto. Mas aí vem outra questão. Se tu falou com 4 institutos diferentes de pesquisa e os coloca na matéria, o leitor sabe que tu reporteou bastante e entende do assunto. Transparência dá credibilidade.
Uma tendência que ouvi bastante na universidade é a de usar a internet para publicar cada vez mais informações sobre como tu obteve as informações. Se o National Institute of Health manda uma lista dos repasses de verbas, não basta só reformatar e publicar na matéria: coloque-se a lista original para o leitor tirar seus próprios dados. Mesmo que ele não faça nada disso, passa mais confiança; se ele não quiser acreditar na tua palavra, basta consultar a fonte original. Ouvi na Universidade do Missouri um professor dizendo que aconselha às vezes inclusive escanear o bloco de notas do repórter - completa pirotecnia didática, mas o exagero também ajuda a passar a mensagem.
Esse equilíbrio entre a precisão, a transparência e o bom texto sempre foi difícil de achar. Entupir em 30 centímetros de texto as 10 fontes que às vezes são necessárias para se ter certeza do que se escreve, mais difícil ainda. Mas é o que precisamos melhorar. E, para eles, falta mais do que para nós.

sábado, 2 de maio de 2009

Primeira matéria publicada em inglês

Essa saiu no Missourian, jornal da faculdade de jornalismo. Um miserável textinho de serviço sobre um encontro de observadores de pássaros, mas que me deu uma prévia de quão demorado vai ser escrever em inglês.

Logo na primeira, já tenho o que reclamar do editor. Entrevistei um Fred Seaman para a matéria, mas o contato para inscrições era seu filho, Eric Seaman. O copy editor estava crente que eu tinha errado e me fez ligar novamente para eles e checar. Chequei e garanti: são duas pessoas diferentes. Não adiantou nada: vejam lá no box FRED Seaman.

Tsc, tsc.

UPDATE: O bom da internet é que eu reclamei e o editor corrigiu. Derrubou meu post, mas é melhor assim.